Encontros com seres interdimensionais, ateus descobrindo crenças e o mundo bizarro de entidades induzido pelo DMT. Uma viagem às margens da ciência psicodélica.
Desde a virada do milênio, o chamado "renascimento psicodélico" vem crescendo lentamente, com vários pesquisadores dedicados trabalhando incansavelmente para legitimar um campo da ciência profundamente estigmatizado por décadas de desaprovação social e política. A psilocibina, o composto psicoativo encontrado em cogumelos mágicos, está atualmente em testes com humanos na Fase 3 como tratamento para a depressão profunda, enquanto o MDMA, comumente conhecido nos círculos recreativos como ecstasy, está literalmente à beira da aprovação final da FDA como um tratamento inovador para o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
Esses compostos, há anos rotulados como drogas ilegais, sem valor científico ou médico, agora estão sendo redescobertos por seu extraordinário potencial terapêutico. Pesquisadores psicodélicos estão sendo cada vez mais bem-vindos de volta às grandes estruturas institucionais que há anos ostracizam esse tipo de estudo.
É relativamente fácil para as comunidades científicas que possuem preconceitos entender a pesquisa psicodélica moderna quando ela se concentra no valor terapêutico de uma droga. Uma experiência psicodélica subjetiva pode ser um tanto excêntrica e obtusa, mas se pudermos inseri-la em uma estrutura de ensaio clínico e mostrar que ela é eficaz no tratamento de condições específicas, podemos legitimá-la como medicamento.
Enquanto a própria ciência psicodélica ainda vive nos arredores da ciência convencional, o mundo da ciência psicodélica tem suas próprias margens. Esta é uma pesquisa que não se concentra explicitamente em resultados terapêuticos específicos, mas em investigar assuntos tão amplos quanto os próprios fundamentos da consciência.
No ano passado, a Universidade Johns Hopkins lançou o primeiro centro de pesquisa psicodélico nos Estados Unidos, chamado Centro de Pesquisa para Psicodélicos e Consciência. Obviamente, esse empreendimento multimilionário concentra-se principalmente no estudo do potencial terapêutico da psilocibina, desde seus usos na depressão e anorexia, até seu potencial como ferramenta para parar de fumar.
Mas isso não é tudo o que está acontecendo em suas instalações. Não é por acaso que o nome do centro menciona pesquisas psicodélicas e de consciência. Roland Griffiths, diretor do centro, é um verdadeiro pioneiro da pesquisa nesse campo. No início dos anos 2000, Griffiths liderou um estudo de referência investigando como doses elevadas de psilocibina podem produzir experiências místicas de significado religioso ou espiritual. Este foi o primeiro estudo usando psilocibina em décadas a receber aprovação regulatória nos Estados Unidos.
As margens das margens
Alan Davis é um professor adjunto atualmente trabalhando com a equipe de pesquisa psicodélica da Johns Hopkins. Sua experiência clínica e seus interesses de pesquisa foram fundamentados anteriormente em explorar melhores maneiras de tratar indivíduos que sofrem de problemas psicológicos baseados em trauma. No entanto, mais recentemente, parte do trabalho em que ele esteve envolvido investigou os confins mais estranhos da ciência psicodélica.
O último estudo publicado por Davis e sua equipe na Johns Hopkins é a maior pesquisa do tipo já realizada. Explora a variedade de experiências que as pessoas encontram com entidades estranhas autônomas depois de fumar o poderoso alucinogênio de ação rápida, N, N-dimetiltriptamina, comumente referido como DMT. Em entrevista ao New Atlas, Davis descreve entusiasticamente as descobertas da equipe, ao mesmo tempo em que reconhece quão profundamente estranho esse tipo de ciência pode ser.
"Penso que de certa forma a ciência psicodélica já está a margem de várias maneiras", diz Davis
"e isso vai ainda mais longe...francamente, está a margem de toda a ciência".
A especificidade desse novo tópico de pesquisa surgiu de uma pesquisa realizada pela equipe da Johns Hopkins no ano passado, explorando o que foram consideradas “experiências de encontro com Deus” desencadeadas por substâncias psicodélicas clássicas. Esse estudo lançou as bases para uma investigação nova e muito mais direcionada. Davis observa que há um volume significativo de relatos subjetivos anedóticos que descrevem encontros altamente detalhados com entidades estranhas sob a influência do DMT. Um relatório de 2006 compilou 340 relatos detalhados de viagens com DMT e encontrou 66% das experiências relatadas interagindo com entidades com existência independente, enquanto estavam sob a influência da substância.
Uma série icônica de experimentos, nos anos 90, por Rick Strassman, também registrou várias experiências de encontro com entidades induzidas pelo DMT. O livro de referência de Strassman, DMT: A Molécula do Espírito descreve esses estudos de referência, que foram finalmente interrompidos depois que as preocupações começaram a crescer em torno dos possíveis efeitos adversos que essas experiências profundamente estranhas estavam tendo sobre os participantes.
Elfos, alienígenas, robôs e muito mais
Não há dúvida de que essas histórias poderosas criaram uma certa narrativa em torno do DMT por várias décadas, mas a nova pesquisa se propôs a tentar produzir um volume de dados empíricos para entender melhor exatamente que tipos de experiências as pessoas estão tendo.
"Há muita discussão sobre elfos e alienígenas, e encontros muito intrigantes com robôs", diz Davis.
"Então, isso nos deixou muito curiosos para tentar descobrir, mesmo que seja através do que é relatado on-line, se é isso mesmo o que as pessoas estão realmente experimentando."
O novo estudo reuniu dados de uma pesquisa on-line, acessada inicialmente por mais de 10.000 pessoas. Depois de afunilar as respostas foi possível incluir apenas indivíduos sem diagnóstico prévio de psicose, que relatavam experiências puras de DMT e que os levaram a encontrar uma entidade autônoma específica. O estudo ficou com mais de 2.500 respostas.
E essas respostas surpreenderam Davis e sua equipe. A amplitude das experiências relatadas na pesquisa diferiu das narrativas classicamente icônicas contadas no trabalho de referência de Rick Strassman.
“De fato, diferia tanto que realmente nos surpreendeu o número de pessoas que estavam descrevendo experiências muito diferentes do que Rick Strassman apontou”, observa Davis.
"Acho que isso não significa que essas experiências não foram relatadas. Certamente tivemos algumas pessoas relatando experiências como essas, mas o que acho que nosso estudo mostra é que existe uma variedade muito maior de experiências do que pensadas previamente. ”
"Ser" ou "Guia" foram os termos descritivos mais comuns usados para rotular a entidade que as pessoas encontraram durante uma experiência no DMT. A grande maioria dos entrevistados também usou rótulos emocionais positivos (alegria, confiança, amor, bondade) para descrever seu senso da experiência.
“Muitos encontros com entidades que [Strassman] descreveu eram pessoas sendo sondadas ou cutucadas. Uma espécie de situação de abdução alienígena. E isso foi relativamente incomum em nosso estudo”, diz Davis."
Certamente as pessoas descreveram isso até certo ponto, mas o que foi mais relatado foi esse espírito benevolente, amoroso, alegre, ou ser que estava lá para comunicar e transmitir informações de alguma forma.”
Avaliando as implicações metafísicas desses encontros, 80% de todos os sujeitos relataram que a experiência alterava sua concepção fundamental da realidade. A maioria dos entrevistados classificou a experiência como mais real do que sua vida cotidiana, e 72% afirmaram que a entidade encontrada tinha uma existência independente.
Eu quero acreditar
Talvez uma das descobertas mais intrigantes do estudo seja que mais da metade dos indivíduos identificados como ateus ou agnósticos, não são mais identificados como tal após o encontro com entidades. Esse tipo de diminuição da auto-identificação ateísta após experiências psicodélicas não é uma descoberta particularmente nova. Pesquisas anteriores sobre experiências espirituais induzidas por psicodélicos tiveram resultados semelhantes. No entanto, Davis sugere que seja notável que uma experiência tão curta e que não dure mais de meia hora na maioria dos casos, possa gerar mudanças tão poderosas na crença subjetiva.
“O que é fascinante para nós é que as pessoas estão descrevendo as suas orientações religiosas ou de crença, de uma maneira, e há uma diferença fundamental após a experiência em termos de como elas veem o universo. E é bastante notável para nós que uma experiência tão curta possa ter esse tipo profunda de mudança e alteração de percepção. "
Davis é cauteloso ao observar que a experiência de encontro com entidades induzida pelo DMT não pode ser reduzida a uma que simplesmente transforma ateus em cristãos, por exemplo. Mas, em vez disso, o que foi visto em uma variedade de relatórios foi uma indicação de que a experiência foi tão profunda que foi difícil não fazer com que ela destruísse o sistema de crenças preconcebido de alguém.
"Eles passaram de uma crença firme em nada, a uma crença potencial em alguma coisa", diz Davis descrevendo muitos dos relatórios de ex-ateus.
Na conclusão do estudo, Davis e sua equipe apontam que a grande maioria dos 2.500 relatórios classificou o encontro com entidades induzidas pelo DMT como uma de suas “experiências de vida mais significativas, espirituais e psicologicamente perspicazes, com persistentes mudanças positivas na vida”. Satisfação, propósito e significado são atribuídos às experiências. ”
A clínica psicodélica do futuro
Esta pesquisa pode parecer completamente deslocada dos chamados estudos "rigorosos" sobre psilocibina ou MDMA como medicina terapêutica, mas Davis discorda, sugerindo que toda essa pesquisa está conectada e é importante para estabelecer qualquer potencial futuro para a terapia psicodélica clínica. “Quando você olha para as moléculas principais dessas substâncias, todos os psicodélicos clássicos têm uma base de DMT na molécula. O que descobrimos quando analisamos o DMT, a psilocibina ou o 5-meo-DMT, é que estamos obtendo uma porta para uma parte diferente do espectro psicodélico - com base na via de administração, duração da experiência e ambiente e todas as crenças que as pessoas trazem para a experiência. " Então, o DMT poderia desempenhar um papel em futuras terapias clínicas psicodélicas? E as experiências com entidades poderiam desempenhar um papel nesse processo terapêutico? Davis sugere que essas questões são coisas que os estudos futuros precisarão lidar, mas ele vê um grande potencial terapêutico no DMT. De uma perspectiva simplesmente pragmática, a natureza de ação curta do DMT o torna um medicamento muito mais útil do que algo como a psilocibina, que é uma longa experiência de oito horas exigindo um dia inteiro, supervisão de vários terapeutas treinados e recursos caros.
“O que uma triptamina de ação curta faz, como o DMT, é concebível que você possa ter várias sessões em um dia com vários pacientes. Para que, alguém possa entrar, ter uma experiência psicodélica em uma hora e depois processá-la com o terapeuta e depois continuar seu dia", sugere Davis.
Ele prevê um futuro semelhante ao descrito por Rick Doblin da MAPS. As clínicas de terapia psicodélica nos Estados Unidos ofereceriam uma variedade de medicamentos psicodélicos que podem ajudar diferentes tipos de problemas, com gravidades variadas. É certamente uma visão ambiciosa, mas não deixa de ter uma base científica robusta. Tanto a psilocibina quanto o MDMA receberam recentemente uma designação de status de avanço pelo FDA, o que significa que os ensaios clínicos iniciais demonstraram sucesso significativo e valioso. E, embora esses tipos de estudos que analisem os encontros induzidos pelo DMT com estranhos seres do outro mundo possam parecer mundos distantes dos robustos testes de psilocibina para depressão atualmente em andamento, Davis enfatiza que essa pesquisa adicional reflete alguns dos resultados positivos observados na psilocibina em ensaios humanos.
"O que vimos neste estudo é que, embora essas pessoas não estivessem descrevendo problemas de saúde mental ou usando DMT por esse motivo, estavam descrevendo mudanças positivas duradouras no humor, nos relacionamentos, nas atitudes e nas crenças. Essas coisas são os mesmos sinais que estamos vendo nos testes de psilocibina. Então, para nós, existe algum potencial que vale a pena explorar. ”
O novo estudo foi publicado no Journal of Psychopharmacology.
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