Cientistas estão analisando o que os psicodélicos fazem para inspirar as pessoas a agirem em favor do meio ambiente.
Depois de tomar LSD, Bill estava em sua cozinha em Merseyside, Inglaterra, olhando para uma grande árvore. Quando a árvore começou a falar com ele, Bill apenas achou estranho que a árvore não se apresentasse formalmente, ele disse à VICE em 2017.
Durante os 15 minutos de conversa, a árvore disse a Bill que toda a vida na Terra - vegetal, animal e humana - estava intimamente conectada.
"Era como se alguém estivesse dentro da minha cabeça julgando meus sentimentos, pensamentos e emoções", disse Bill.
"Mas também era uma via de mão dupla: eu podia sentir quantos anos ela tinha - ela obviamente passou por muita coisa como a maneira que a cidade que moro foi construída em torno dela".
Qualquer pessoa que já alterou sua consciência, especialmente ao ar livre, sabe que psicodélicos, como LSD, cogumelos, DMT ou mescalina, podem provocar sensações de admiração e veneração pelo mundo natural. Isso também foi replicado em contextos mais formais, como em janeiro de 2018 que cientistas do Imperial College de Londres descobriram que a psilocibina, o ingrediente ativo dos cogumelos mágicos, levou a um aumento significativo nos sentimentos de conexão com a natureza após apenas uma dose. Sete a 12 meses depois, essa mudança persistiu.
“Antes eu apreciava a natureza, agora me sinto parte dela. Antes eu estava vendo ela como uma pintura.”, disse uma pessoa no estudo.
"Mas agora eu vejo que não há separação ou distinção."
Os psicodélicos têm demonstrado ser de grande ajuda no tratamento de vícios, na ansiedade e na depressão. Mas fora do escopo das doenças mentais, os pesquisadores também se perguntam como eles podem mudar crenças e traços de personalidade. Um aumento na relação com a natureza demonstrou ser um preditor da felicidade, mas também está associado ao bem-estar do planeta. Existe uma ligação entre ter um relacionamento com a natureza e um comportamento pró-ambiental. Uma conexão psicodélica imposta com a natureza pode ser essencial diante de uma crise climática iminente, porém é necessário saber por que algumas pessoas são motivadas a agir ambientalmente e outras não. As Nações Unidas disseram recentemente que restam apenas 11 anos para evitar "danos irreversíveis" causados pelo aquecimento da Terra. No entanto, uma pesquisa da Pew Research de 2017 descobriu que, enquanto três quartos dos americanos estavam preocupados em ajudar pessoalmente o meio ambiente, apenas um em cada cinco realmente faz um esforço em suas vidas diárias. Enquanto isso, as 100 empresas responsáveis por 71% das emissões globais não tomam nenhuma ação decisiva para conter seu impacto, nem os governos as responsabilizam.
Diante de uma crise climática iminente, é necessário saber por que algumas pessoas são motivadas a agir ambientalmente e outras não.
Os pesquisadores descobriram que bombardear pessoas com fatos sobre o clima não é a melhor tática. Dissecar a experiência psicodélica poderia ajudar os formuladores de políticas, cientistas e jornalistas a tentar recriar o sentimento central de relação que esses compostos trazem: a sensação de que a natureza faz parte de nós, de nossos corpos e nossas vidas e de que fazemos parte dela. Atitudes que podem levar as pessoas a agir para proteger o planeta, uma vez que o planeta é uma extensão delas mesmas. O ecologista Aldo Leopold escreveu em 1949, que:
“Abusamos da terra porque a consideramos uma mercadoria que nos pertence. Quando vemos a terra como uma comunidade à qual pertencemos, podemos começar a usá-la com mais amor e respeito. ”
Desde então, muitos outros ecologistas e psicólogos sociais propuseram que uma desconexão da natureza é parcialmente responsável pela nossa inércia em responder à crise climática.
"A devastação ecológica que estamos enfrentando agora é um efeito colateral de uma desconexão da natureza", disse Sam Gandy, ecologista e assistente científico da Beckley Foundation.
De todos os fatores que ditam um comportamento pró-ambiental, a relação com a natureza e o sentimento de conexão são os mais importantes, disse Gandy. E as pessoas que usam psicodélicos não apenas relatam mais conexão, mas também estão mais preocupadas com o meio ambiente do que aquelas que usam outros tipos de substâncias.
Já vimos isso antes nas décadas de 1960 e 1970, onde o uso de compostos psicodélicos coincidia com movimentos ambientais generalizados. Alguns propõem que não é coincidência que isso tenham acontecido. Mas provar que as drogas causam o ambientalismo é uma afirmação difícil de ser feita, pois talvez o tipo de pessoa que toma psicodélicos também se preocupe com o meio ambiente. Matthias Forstmann, psicólogo social e pós-doutorando na Universidade de Yale, tentou solidificar a associação em um estudo de 2017 que entrevistou quase 1.500 pessoas sobre experiências com drogas, relações com a natureza e comportamentos pró-ambientais, como reciclar ou economizar água. A pesquisa controlou outras substâncias, traços de personalidade e fatores demográficos (como a idade) e, curiosamente, "descobrimos que somente os psicodélicos são preditivos de relações com a natureza", disse Forstmann.
Forstmann acredita que os psicodélicos promovem essa conexão através de um fenômeno muito discutido no mundo da pesquisa sobre drogas: a dissolução do ego. Normalmente, temos uma compreensão clara de onde paramos e de onde o mundo exterior começa, mas os psicodélicos obscurecem essa linha.
Gandy concordou que a dissolução do ego é provavelmente um mecanismo-chave. É um fato de que os psicodélicos afetam a rede de modo padrão, um aglomerado de regiões interconectadas do cérebro que são mais ativas quando o cérebro está em repouso ou focado no eu interior.
"Os psicodélicos promovem atividades pró-ambientais por meio de um fenômeno muito discutido no mundo das pesquisas sobre drogas chamado dissolução do ego."
"Este é um componente fundamental de onde se tem ideia que o ego reside, seu senso de si", disse Gandy. “Quando isso é relaxado, basicamente dissolve-se o senso de si como algo separado do universo. Assim, os limites percebidos entre o eu e o outro quebram e resultam em uma sobreposição da natureza própria. ”
Quando uma pessoa começa a humanizar a natureza, ou a antropomorfizá-la, pode-se começar a sentir empatia. "Se me sinto próximo da natureza ou me sinto um com a natureza, começo a atribuir características semelhantes aos humanos e a natureza", disse Forstmann. “Como a capacidade de sentir dor ou tristeza. Se sinto que a natureza está sofrendo, talvez eu queira tratá-la melhor”.
Forstmann está agora trabalhando em um estudo controlado por placebo que analisará o efeito sobre a natureza e a dissolução do ego dos psicodélicos. Esse desenho mais rigoroso do estudo pode ajudar a descartar outros fatores, sendo um deles que as pessoas costumam alterar a consciência na natureza, dificultando a diferenciação do impacto do ar livre na experiência com as drogas.
Não está claro se a exposição a elementos naturais é uma peça crucial do quebra-cabeça e existem alguns relatos anedóticos em que as pessoas usavam essas substâncias em laboratórios e ainda relatavam sentimentos de conexão, disse Forstmann. Mas Gul Dolen, neurocientista da Universidade Johns Hopkins, acha que o que acontece durante uma viagem é importante.
Dolen estuda plasticidade sináptica; sinapses são o local de conexão entre dois neurônios e contribuem para a capacidade de nossos cérebros de aprender coisas e comportamentos novos. Ela deu MDMA a animais como camundongos e polvos e descobriu que ele pode devolver ao cérebro níveis mais elevados de plasticidade. Nos seres humanos, isso poderia levar à capacidade de formar novas associações e novas crenças. Outros pesquisadores, como o bioquímico David Olson, da Universidade da Califórnia em Davis, descobriram da mesma forma que drogas psicodélicas podem mudar a estrutura dos neurônios no cérebro para aumentar o número de dendritos, espinhas dendríticas e sinapses, que desempenham um papel na plasticidade dos neurônios no cérebro. Ele chamou os psicodélicos e outros compostos que podem desencadear esse tipo de reorganização cerebral de "psychoplastogens". Ainda assim, tomar um psicodélico e insistir em idéias anteriormente sustentadas poderia simplesmente reforçá-las. Para transformar alguém ambientalmente desmotivado em ativista, eles devem ser apresentados durante a viagem aos conceitos da natureza e à importância da ação climática, disse Dolen. Se isso for feito durante uma janela reabilitada de plasticidade, esses efeitos podem durar muito além da duração dos compostos.
"Então, você poderia ensinar a eles esse novo relacionamento com a terra", disse ela.
Então devemos dar a todas as pessoas drogas psicodélicos na floresta para salvar o planeta?
Em uma entrevista ao GQ, Michael Pollan, autor de, Como Mudar sua Mente, reconheceu que as experiências psicodélicas possivelmente poderiam abordar a “crise ambiental nascida do nosso senso de distanciamento da natureza: nossa vontade de objetivar a natureza e vê-la apenas como um recurso".
Mas ele seguiu com uma dose de realidade: "Então você precisa se afastar e dizer: 'Espere, é possível prescrever um medicamento para um país inteiro?'"
Os psicodélicos ainda são ilegais e não são adequados para todos e algumas pessoas com histórico familiar de psicose podem estar em risco com esses compostos. Mas descobrir como promover, como Aldo Leopold o chamava, uma sensação de "semelhança" sem as drogas poderia ajudar a proteger o planeta de danos futuros.
Passar mais tempo na natureza é uma maneira simples de aumentar a sua relação. Mas Gandy disse que comunicar aos outros que eles fazem parte do ecossistema precisa ser feito de uma maneira emocionalmente atraente. Um estudo recente descobriu que a conexão com a natureza aumenta mais quando as crianças participam de atividades criativas e baseadas na arte em comparação com as caminhadas educativas pela natureza.
Gandy e Forstmann também se perguntam se existe uma maneira de retratar o relacionamento com a natureza usando a realidade virtual, que foi capaz de induzir experiências extracorpóreas e afetar preconceitos e o humor. Uma visão viva da natureza pode causar mudanças cognitivas poderosas, semelhantes ao que acontece com os astronautas quando experimentam o overview effect. Ver o nosso planeta em sua totalidade os ajudou a se elevar acima da noção de política e a sentir uma conexão com o planeta como um todo e um desejo de protegê-lo. Biólogo E.O. Wilson escreveu que as pessoas nascem com uma afinidade por outros seres vivos e pela natureza, uma teoria que ele chamou de hipótese da biofilia. Ele postulou que a maior parte de nossa história evolucionária tem sido em relação à natureza.
Ser capaz de encontrar comida e abrigo, entender a terra e encontrar o caminho por diferentes locais, e, portanto, uma conexão psicológica com o mundo natural poderia ter sido selecionada em todo o mundo durante os milênios que se passaram. Esse legado existe para nós, disse Gandy, através de drogas ou de outra forma.
"Estou ciente e profundamente grato por todas as coisas que os psicodélicos podem potencialmente fazer. Mas, para mim, a [aplicação psicodélica] ambiental e as implicações disso são mais compreensíveis e mais importantes - e precisam de mais atenção do que qualquer outra coisa. Deve haver uma conexão emocional e empática a fim de motivar a mudança comportamental".
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