Traduzido e adaptado de https://beckleyfoundation.org/microdosing-lsd/
Criado em 1998 por Amanda Feilding, a Fundação Beckley tem estado na vanguarda da reforma global das políticas de drogas e da pesquisa científica sobre substâncias psicoativas. A fundação colabora com as principais instituições científicas e políticas em todo o mundo para projetar e desenvolver pesquisas inovadoras e iniciativas de políticas globais.
Em conjunto com Jan Ramaekers, professor de psicofarmacologia da Universidade de Maastricht, foi desenvolvido um programa de pesquisa colaborativo em 2017 nomeado Beckley/Maastricht para investigar detalhadamente a prática cada vez mais popular de microdosagem e suas possíveis aplicações terapêuticas.
No primeiro estudo, foi investigado os efeitos a curto prazo de uma série de pequenas doses de LSD no humor, funções cognitivas e tolerância à dor. Esse estudo foi concluído em 2019, com resultados inovadores demonstrando pela primeira vez em laboratório os benefícios da microdosagem de LSD.
Após isso, foi iniciada uma análise da eficácia e a segurança de uma microdose fixa administrada repetidamente por um período de quatro semanas, para avaliar a atividade cerebral, funções cognitivas e o humor. Este estudo investigará se a microdosagem de LSD, quando usada uma ou várias vezes, pode amplificar a plasticidade cerebral, um fenômeno que já foi observado em células, em 'mini-cérebros' cultivados em laboratório e em animais, mas ainda não em humanos.
Fora do laboratório, a equipe Beckley/Imperial também está conduzindo o primeiro estudo do mundo sobre microdosagem controlado por placebo e simples-cego, onde está recrutando participantes de todo o mundo, que já são usuários de microdosagens ou que estão prestes a começar.
Dado o entendimento atual dos mecanismos de ação de compostos psicodélicos como o LSD, esse trabalho pioneiro pode levar a substância a se tornar um possível tratamento para uma variedade de condições que necessitam de abordagens mais eficientes, como transtornos de humor, declínio cognitivo relacionado à idade, moderado comprometimento cognitivo, dor crônica, reabilitação cerebral e dependência. A Fundação Beckley já está começando a iniciar projetos de pesquisa explorando essas possíveis aplicações terapêuticas.
Nesse sentido, foi iniciado uma nova colaboração com a professora Harriet de Wit, da Universidade de Chicago, que já conduziu alguns dos primeiros estudos laboratoriais sobre microdosagem de LSD e atualmente está realizando um estudo em indivíduos com altos níveis de depressão, a fim de explorar mais especificamente o potencial terapêutico para o tratamento dessa condição. Mais projetos de pesquisa clínica com foco em uma variedade de condições como por exemplo, dor crônica e ansiedade estão em desenvolvimento e serão anunciados ainda este ano. A capacidade da Fundação Beckley de realizar esses importantes projetos de pesquisa de maneira aberta, irrestrita e imparcial, depende em grande parte das generosas doações que recebem do público.
Destaques no programa de pesquisa com microdosagem
O primeiro estudo, explorando a relação dose-resposta nos efeitos fisiológicos e psicológicos induzidos pelo LSD, viu 24 voluntários saudáveis receberem doses únicas de 5, 10 e 20 microgramas de LSD ou um placebo (dose sem efeito farmacológico).
Os resultados demonstram claramente, pela primeira vez, de maneira controlada e rigorosa, os efeitos positivos da microdosagem no humor, cognição e controle da dor.
Microdosagem de LSD para tratamento da dor
Entre outros dados que foram coletadas ao longo dos dias de dosagem, os níveis de tolerância a dor foram avaliados usando o Cold Pressor Test, um teste válido e de baixo risco para avaliar os limiares de dor individuais, que envolve o uso de um tanque cheio de água fria a 3 ° C. Pediu-se aos voluntários que mergulhassem as mãos na água fria pelo tempo que pudessem. As medidas do teste Cold Pressor incluem tolerância à dor (ou seja, a duração pela qual os participantes podem segurar a mão no tanque) e classificações subjetivas de dor, desagradabilidade e estresse. O estudo indicou consistentemente que uma dose de 20 microgramas de LSD reduziu significativamente a percepção da dor, em comparação com o placebo.
A tolerância geral a dor em 20 microgramas aumentou em 20%, o que significa que os voluntários foram capazes de permanecer imersos na água fria por substancialmente mais tempo com uma dose de 20 microgramas de LSD em comparação com aqueles que receberam placebo. Os sujeitos também relataram uma diminuição na experiência subjetiva de dor e desagradabilidade. Notavelmente, as alterações na tolerância à dor e na percepção subjetiva da dor, induzidas pela baixa dose de LSD nessas circunstâncias foram comparáveis em magnitude àquelas observadas após a administração de opioides, como oxicodona e morfina, em voluntários saudáveis.
20 µg de LSD aumentou a tolerância à dor e diminuiu a percepção da dor, demonstrando pela primeira vez no laboratório o potencial da microdosagem do LSD para o gerenciamento da dor.
Além disso, os efeitos analgésicos observados foram igualmente fortes às 1,5 e 5 horas após a administração do LSD, indicando que uma dose de até 20 microgramas de LSD pode ter um efeito de 'halo' mais duradouro no tratamento da dor.
É importante ressaltar que os dados também sugerem que o nível de interferência psicológica e cognitiva produzida por uma dose de 20 microgramas de LSD é muito leve e não se espera que interfira nas operações diárias normais.
Microdosagem de LSD para humor e cognição
O primeiro estudo de microdosagem em laboratório descobriu que os participantes experimentaram níveis sustentados de atenção aprimorada e mudanças positivas de humor após apenas uma única microdose (20 ug) de LSD. O estudo pode abrir as portas para futuras explorações sobre o potencial efeito cognitivo positivo do LSD, em particular em populações clínicas, marcadas por declínio ou comprometimento cognitivo, como numerosos distúrbios neurodegenerativos ou Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Os participantes que receberam uma microdose de LSD de 20ug também relataram aumento do "vigor" - ou uma sensação de vivacidade cognitiva e bem-estar emocional; relatando que se sentiam mais amigáveis e tinham um humor melhorado em geral. O mesmo tamanho de dose mostrou uma diminuição simultânea de humor negativo relatado, como depressão, raiva e fadiga.
Uma dose única de 20 µg de LSD reduziu as pontuações de depressão e melhorou o vigor e o humor positivo em comparação com o placebo (0) e outras doses mais baixas (5 e 10 µg). Isso confirma o alto potencial terapêutico da microdosagem de LSD para o tratamento de transtornos do humor.
20 µg de LSD também melhoraram a atenção / vigilância sustentada, como demonstrado por menos lapsos de atenção 4 horas após a ingestão, sugerindo aplicações promissoras para o TDAH e declínio cognitivo.
É importante ressaltar que nem todos os testes usados para avaliar alterações nas funções cognitivas resultaram em melhorias significativas. Os benefícios cognitivos da microdosagem podem ser específicos apenas a certas funções, como à atenção sustentada. É interessante notar que os déficits na atenção sustentada (após lesão cerebral) foram associados ao aumento dos níveis na atividade da Rede de modo padrão (DMN) ao longo do tempo em uma tarefa.
Dada a diminuição anteriormente relatada na atividade da DMN, a qual foi observada em doses maiores de psicodélicos, pode-se supor que um efeito semelhante possa ser alcançado com doses mais baixas. Doses baixas de psicodélicos como o LSD podem melhorar a qualidade da atenção, reduzindo a interferência do DMN (ou seja, pensamentos não relevantes para a tarefa, divagações da mente) - uma hipótese que o próximo estudo da Beckley Foundation será capaz de abordar usando o eletroencefalograma (EEG).
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