Em uma investigação para sua tese sobre a história e a ciência da pesquisa psicodélica, Priscilla Duggan entrevista o psiconauta, etnofarmacologista, farmacognosista de pesquisa, professor e autor Dennis Mckenna.
Irmão do conhecido defensor psicodélico Terence McKenna, Dennis também é membro do conselho fundador e diretor de etnofarmacologia do Heffter Research Institute, uma organização sem fins lucrativos preocupada com a investigação dos possíveis usos terapêuticos de medicamentos psicodélicos.
Priscilla Duggan: Como você se interessou neste campo?
Dennis Mckenna: Basicamente, eu fui uma criança dos anos 60. E naquela época, você sabe, os psicodélicos interessavam a todos na minha região. De certa forma, isso meio que distorceu a situação. A maioria das pessoas não tinha ideia da história e do histórico etnográfico dos psicodélicos. Então, os "poderes" viram o LSD como uma ameaça. E de fato foi, na medida em que muda o pensamento das pessoas.
Como tomar LSD e pensar:
"É sério? Eu preciso ir ao Vietnã e matar pessoas que não conheço?"
Eu estava interessado nisso, nesse ponto de vista, que fazia parte da contracultura.
Então meu irmão [Terence McKenna], que você provavelmente conhece, foi uma grande influência. Sendo quatro anos mais velho do que eu, ele me levou pelo caminho das prímulas e éramos muito parceiros. Eu ainda estava no ensino médio na época, mas ele estava em Berkeley no meio da formação da contracultura. Ele descobriu o DMT, que não existia muito na época. Quero dizer, éramos fãs de ficção científica e isso nos levou a esse tempo, mais do que pelo misticismo, e era como se essa fosse outra dimensão. E queríamos investigar. Não sei se você já teve alguma experiência com o DMT...
PD: Não, não tive.
Dennis Mckenna: Ok, e 5-metoxi-DMT?
PD: Esse também não.
Denis Mckenna: A frustração é que, produz uma experiência incrível, mas muito curta. Por isso, é muito difícil trazer muito de volta, além de espanto - "Meu Deus, o que aconteceu?" Mas, na medida em que, obter qualquer conteúdo noético, é difícil.
Então, Terence e eu estávamos pensando ingenuamente: se pudéssemos encontrar uma forma oralmente ativa de DMT, ela duraria mais e poderíamos tirar mais proveito dela. Esse pensamento foi realmente ingênuo. Mas foi isso que nos motivou a ir para a América do Sul pela primeira vez em 1971.
Então isso nos levou a La Chorrera, que aconteceu de ser o lar ancestral do povo Witoto. Quando chegamos lá, descobrimos grandes e belos aglomerados de cogumelos contendo psilocibina crescendo por todo o caminho e no pasto ao redor desta vila. Nós sabíamos o que eram, mas nunca tivemos nenhuma experiência anteriormente com eles.
Você pode pensar na psilocibina como uma forma perfeita de DMT por via oral. Mas não sabíamos disso em 1971 quando começamos a colher esses cogumelos, isso rapidamente repriorizou nossa busca. Chegamos à conclusão de que os cogumelos eram o verdadeiro mistério, não esse alucinógeno obscuro dos Witotos que procurávamos. Então, foi com isso que acabamos trabalhando por muitos anos.
Então, voltei para a América do Sul em 1981 como estudante de graduação na University of British Columbia com uma agenda diferente. Com o objetivo de focar minha pesquisa na ayahuasca e no Ukuhé, esse alucinógeno Witoto, e fazer um estudo comparativo entre esses dois.
Ukuhé na época era uma tradição moribunda. O conhecimento da ayahuasca, no entanto, se expandia. Agora é como uma estrela cultural ou algo assim. A ayahuasca está se espalhando por todo o planeta. Potencialmente, é um catalisador para essa mudança global de consciência que precisa ocorrer se desejamos consertar nossa atual situação.
Eu falo sobre isso pelo ângulo em que, a planta está tentando se comunicar com nossa espécie. Já faz milhares de anos, mas agora está ficando um pouco mais histérico porque não estamos ouvindo. E a mensagem é basicamente que estamos doentes em todos os níveis e precisamos acordar. Temos que re-entender nosso relacionamento com a natureza. O enteógeno é uma mudança de jogo a esse respeito, ou uma mudança de mente, devo dizer.
PD: A sociedade ocidental está muito doente - materialismo, consumismo, teoria dos jogos. E temos um problema horrível de medicamentos controlados. Você acha que os psicodélicos ajudariam nisso? Embora eu sinta que nós somos os elixires para essa mudança...
DM: É importante que você coloque dessa maneira. Você está certo, nós fazemos a mudança, os psicodélicos são a ferramenta de aprendizado. Psicodélicos são o que podemos usar para aprender a redescobrir nossos valores internos, a fim de fazer o que precisa ser feito.
PD: Penso que de certa maneira, como sociedade ocidental, desenvolvemos essa epistemologia de priorizar a riqueza material, e o que as religiões afirmam ser, é uma epistemologia que prioriza o bem-estar espiritual, mas na verdade não são.
DM: Na verdade, eles não estão certos. E eles, acho que criam essa perspectiva distorcida da idéia de que a natureza existe para dominar, usar e explorar, em vez de fazer parceria. Por isso, leva a essa ideia de uma desvalorização da natureza, e parte disso é na verdade uma desvalorização da biologia. Porque nós somos seres biológicos. Goste ou não, somos máquinas que usam drogas.
Nós somos feitos de drogas.
Somos motores bioquímicos imersos nessa tremenda diversidade química de produtos vegetais. Não apenas psicoativos, mas de todos os tipos. É assim que as plantas mediam seu relacionamento com tudo no ambiente, porque elas são boas químicas. Elas realmente não respondem ao seu ambiente através do comportamento. Eles não podem fugir das ameaças, usam a química para mediar tudo em seu ambiente. Fungos no solo, bactérias ou insetos, todas essas coisas são mediadas por essas moléculas mensageiras vegetais, algumas das quais se assemelham a neurotransmissores. Então, de certa forma, podemos nos comunicar com essas plantas dessa maneira. Ou, você sabe, essa é uma maneira de pensar sobre isso. Uma maneira um pouco mais sofisticada de ver isso é que, na verdade, elas não são
entidades que estão nos ensinando mas na verdade elas têm uma influência catalítica para nos ajudar a aprendermos sozinhos.
PD: Absolutamente.
DM: Eu acho que esse é o grande poder terapêutico dos psicodélicos. Eles permitem que você saia temporariamente do seu quadro de referência e o veja de uma perspectiva diferente. Você provavelmente já ouviu falar da rede de modo padrão.
PD: Sim, na verdade Robin Carhart Harris escreveu um artigo sobre o modelo do cérebro entrópico.
DM: Então, construímos esse modelo de realidade, e essa é a realidade em que habitamos. Ela é parcialmente composta por dados sensoriais. Então, você associa esses dados sensoriais a memórias, outras coisas que aprendeu, experiências anteriores, associações, suposições, abstrações, todas essas idéias, todos esses elementos que se unem para criar esse modelo de realidade em que habitamos.
E os psicodélicos interrompem temporariamente isso. Isso pode ser uma coisa boa, porque interrompe o hábito. Isso pode mudar comportamentos, como o vício, a depressão, esses tipos de coisas que são realmente comportamentos habituais de uma certa maneira. E uma pessoa tem a oportunidade de responder a isso, de integrar isso mudando o comportamento. E é por isso que acho que com os psicodélicos, a integração é muito importante.
"Ok, eu aprendi todas essas coisas novas, como faço agora para integrar isso à minha realidade pós-experiência?"
PD: Obviamente, existe um gargalo no conhecimento público e um estigma em torno dos psicodélicos dos anos 60 e 70. Qual é a sua resposta a esse buraco no conhecimento público? Você acha que existe uma maneira de consertar isso?
DM: A ignorância do público em geral sobre a ciência é bastante abismal. A maioria deles nem sabe o que é ciência ou o que ela faz. Você descobre o número de pessoas que podem, por exemplo, rejeitar a ideia de mudança climática. Esse é um bom exemplo da ignorância generalizada. Então, quando você reduz isso a drogas, é muito fácil descartar todos os tópicos.
As drogas são uma categoria enorme. Algumas são estimulantes, outras são psicodélicas, outras sedativas, você sabe que existem muitos tipos diferentes. As pessoas não fazem essas distinções. Falar sobre drogas como uma única categoria não é uma conversa útil. Então eu acho que é uma questão de educar as pessoas. E é claro que, às vezes, é dito que, se você nunca tomou um psicodélico, não consegue entender realmente do que estamos falando.
Portanto, existe aquele elemento no qual uma única experiência psicodélica, com qualquer que seja a substância, pode fazer muito para educar as pessoas sobre o que realmente elas são, porque elas têm todos esses conceitos errados.
PD: E, como você disse, é difícil discutir com alguém que já tenha uma mentalidade estruturada tão estreita sobre esse tipo de tópico.
DM: Exato. "Não me incomode com fatos, minha mente já está decidida." Infelizmente, essa atitude permeia a sociedade. Agora ainda mais do que antes. Sempre houve muito disso, mas agora uma das coisas que me consternam, é o que está acontecendo com a nossa cultura, é essa atitude anticientífica que as pessoas têm. Para não dizer que a ciência é a única resposta, ou que é absolutamente verdadeira e nada mais é verdade, a própria ciência deve ser questionada. A ciência adequadamente praticada questiona suas suposições. Você já fez cursos de filosofia ou filosofia da ciência?
PD: Não.
DM: Acho que as áreas da ciência deveriam exigir um ou dois cursos de filosofia da ciência, porque isso obriga a pensar sobre "o que é ciência" e como ela funciona. E existe muitas pessoas que se dedicam à ciência e nunca realmente pensam no que estão fazendo. Eles podem aprender todas as técnicas, podem operar as máquinas, podem processar os dados, podem ser cientistas de muito sucesso em termos de carreira e obter subsídios e assim por diante, e isso é ótimo.
Mas a ciência é mais do que isso, é uma busca pela verdade, dentro da verdade. Você sabe que nunca prova nada, tudo o que você pode fazer é dizer que a hipótese se encaixa no que sabemos. Isso pode estar totalmente errado. Portanto, nesse sentido, a ciência é de certa forma uma invenção ou tecnologia epistemológica humana muito poderosa.
PD: Quais são seus pontos de vista pessoais sobre uso terapêutico versus espiritual versus uso recreativo? E, com o futuro da integração psicodélica, você vê algum perigo ou problema?
DM: Estou muito feliz em ver que os psicodélicos estão mais ou menos sendo aceitos agora. Ou, lentamente, sendo aceitos na biomedicina como uma modalidade terapêutica. Isso deveria ter acontecido há muito tempo. A abordagem atual da biomedicina em relação aos cuidados de saúde mental é quase criminosa. Essa dependência excessiva de psicofarmacêuticos, a maioria dos quais é ineficaz ou pouco eficaz. A falta de interação real entre o paciente e o terapeuta.
Estou um pouco preocupado em com eles serão colocados. Como algo como a psilocibina será aceito como uma terapia na biomedicina, isso significa que você precisará pagar por isso? Será capaz de ir a uma clínica onde isso é oferecido? E se você for pobre? Ou não quer usar versões sintéticas? E se você prefere comer cogumelos? Você deveria ser proibido de fazer isso? Por um lado, temos um paciente que pode ir a uma clínica e tomar psilocibina, mas se você quiser ir a um centro de retiro e tomar psilocibina, isso é ilegal? Isso não me parece correto.
PD: Então isso seria terapêutico versus uso espiritual e recreativo ...
DM: Essas são palavras difíceis de analisar. As pessoas dizem: "Não se deve usar psicodélicos para fins recreativos". Mas vamos analisar isso por um minuto, o que isso realmente significa? Quero dizer, olhe a palavra. "Recriar" não está tão longe de "rejuvenescer". Então, quando usado corretamente, acho que o uso recreativo também pode ser terapêutico. Também pode ser espiritual. Você não pode separar essas coisas. Isso realmente não funciona.
Você não pode ir a uma clínica e dizer: "Estou aqui apenas para a terapia, não me incomode com as coisas espirituais".
PD: Ao entrar neste projeto, meus professores estavam me lembrando de me concentrar na parte científica e não no lado espiritual.
DM: Você não pode ignorar o aspecto espiritual. E pela primeira vez, esse fenômeno indescritível, esse aspecto indescritível da experiência humana está disponível para estudo científico. Isso é uma coisa enorme. E as pessoas vão dizer: “Bem, isso desvaloriza. E se você olhar cientificamente, não é realmente uma experiência mística. Ou, se você toma um medicamento, ela não é real. Somente as experiências espontâneas e naturais são experiências místicas reais. ” Para o que eu digo, "isso é besteira".
E realmente, de certa forma, esse é o desafio da neurociência no século XXI. De maneira mais ampla, como podemos cruzar o limiar entre o que podemos medir com todos esses instrumentos, como a tecnologia de neuroimagem, com o que o cérebro faz com o exterior? Como correlacionar isso com o que realmente está acontecendo com a pessoa que está tendo a experiência psicodélica? É complicado. Você precisa ter muito cuidado com as palavras que usa. Ideias como "dentro" e "fora", você sabe que elas não têm significado, tudo está dentro.
PD: Só podemos descrever o que sabemos como descrever.
DM: O que experimentamos é uma experiência subjetiva interna. E as características da experiência mística são em parte um entendimento de que a dualidade é uma ilusão. Você sabe, não estamos separados do resto do mundo, somos um com o cosmos, e todos esses tipos de generalizações espirituais que eles aplicam à experiência mística. Você deve estar ciente de como são colocados esses termos simples e deve ter cuidado com o modo que os utiliza, se realmente os quiser entender. Dizendo “isso está lá fora?" ou "Isso está dentro", pode estar errado. Talvez não exista fora ou dentro.
PD: Então nós pensamos que definimos o mundo com partes da nossa linguagem, mas realmente o mundo existe, e nós estamos apenas definindo o que sabemos definir. Mas tudo existe fora de nós.
DM: Existe? Quero dizer, assumimos que existe algo fora de nós que é a realidade fundamental. Quero dizer, assumimos que existe algum tipo de mundo externo, que não faz parte de nós, mas o que realmente estamos experimentando é esse modelo que construímos e que habitamos. Você sabe que habitamos essa alucinação. O que, presumivelmente, é algo que nosso cérebro cria. Mas então, você entra em uma conversa estranha - bom, essa alucinação vem do nosso cérebro ou o nosso cérebro funciona como um detector? Quero dizer, essas são as questões epistemológicas mais difíceis.
PD: E poderíamos discutir para sempre sobre isso.
DM: Exatamente. Eu acho que os psicodélicos são até valiosos nesse aspecto, porque eles convidam você a pensar sobre essas coisas. E isso é bom porque realmente não entendemos a consciência. Nós realmente não entendemos o que é estar consciente e quais são os limites da consciência. É interessante os paralelos entre o que você poderia chamar de visão de mundo científica contemporânea e visão de mundo indígena. Por exemplo, na visão de mundo indígena, tudo é inteligente - árvores, pedras, o céu, tudo tem uma certa inteligência. A ciência está se aproximando dessa ideia. A ideia de que as plantas são inteligentes, por exemplo. Falar sobre isso foi considerado insanidade por anos, mas agora existem pesquisas que mostram que as plantas são inteligentes na maneira como interagem com o mundo.
PD: Quanto ao futuro da terapia, você acha que um psicodélico parece mais promissor do que os outros?
DM: Não, não acho. Existem situações variadas. Um exemplo é do tratamento para a dependência. Eu acho que certas substãncias como a ibogaína, por exemplo, parecem ser muito adequadas para esse tipo de tratamento, especialmente a dependência de opióides. Em parte porque interrompe esse relacionamento habitual, mas também existem fatores neuroquímicos que tornam a ibogaína diferente de outros psicodélicos.
Mas a ayahuasca e a psilocibina também podem ser muito poderosas para o vício. Realmente depende do set e setting no qual são aplicados. Provavelmente você conhece o trabalho da psilocibina com a dependência com nicotina. Nunca me ocorreu que a psilocibina poderia ser útil para o vício em fumar. Porque fumei por uma longa parte da minha vida, tomei bastante psilocibina e nunca tive o impulso de parar de fumar como resultado disso. Parei mais tarde, mas foi com uma dinâmica diferente.
PD: Isso se relacionaria com o que você estava dizendo anteriormente? Que em um cenário terapêutico a integração da viagem é muito importante?
DM: Essa é a coisa toda com a dinâmica de set e setting. Existe o set, o setting e, obviamente, a substância e a dosagem. Essas são as grandes variáveis. E o set é, de certa forma, o mais importante. As pessoas dizem que o set é a sua intenção, o que você traz para a experiência. Mas vai muito além disso, na minha opinião. O set é você. O set é o que você traz para a mesa, é tudo o que você aprendeu, bem como sua intenção e sua preparação. Penso que a razão pela qual a terapia com psilocibina funciona tão bem com o tabaco é que essas pessoas estão seriamente motivadas a parar de fumar mas não foram capazes. Eles recebem muita terapia antes de tomar a psilocibina. E eles recebem muita terapia depois para acompanhamento. É por isso que funciona.
PD: Entendi, porque eles estão dispostos.
DM: Eles estão fazendo isso com a idéia de que isso os ajudará a parar de fumar. Essa é a intenção deles. Mas então, eles estão trazendo para ela, também como parte de seu set, a vida de fumante, toda a culpa que isso cria, todo o dano à saúde e tudo o que isso cria. Isso também faz parte da história deles. Então eles trazem isso para a experiência. E todos nós fazemos o mesmo. O set é a totalidade que você traz para a experiência de toda a sua vida e tudo o que você experimentou. PD: Isso faz muito sentido.
DM: Faz sentido, não é? Por exemplo, meu irmão me disse antes de eu tomar LSD:
"Não deixe de ler Psicologia e Alquimia por Carl Jung antes de tomar LSD".
Eu não o ouvi, fui em frente e tomei. Mas depois percebi que, se tivesse lido o livro antes de tomar o LSD, eu apreciaria a experiência muito mais. Portanto, esse processo de auto-educação é parte do desenvolvimento do conjunto, que você deseja trazer para a experiência psicodélica.
Traduzido e adaptado de https://realitysandwich.com/324771/dennis-mckenna/
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