Existem evidências de que as terapias assistidas por psicodélicos podem melhorar o bem-estar, de maneira semelhante às práticas de meditação Mindfulness.
Meditação e psicodélicos
A meditação descreve uma ampla variedade de práticas da mente e do corpo, mas a maioria das pesquisas se concentra na redução do estresse baseada no Mindfulness (REBM), também conhecido como 'atenção plena'. O REBM é um treinamento de oito semanas, onde os participantes se reúnem para aprender práticas, discutir temas sobre a consciência e compaixão no momento presente e fazer perguntas. Os pesquisadores administram pesquisas, medições biológicas e comportamentais do estresse e da atenção, exames cerebrais e entrevistas antes e depois da conclusão do treinamento da REBM - que às vezes são repetidos meses depois. De acordo com muitos desses estudos, a meditação parece envolver mudanças graduais e incrementais que promovem um crescimento constante de qualidades como resiliência e compaixão.
A meditação é perfeitamente legal, mas os psicodélicos não - o que significa que temos muito menos conhecimento científico de seus efeitos. Existem milhares de estudos de meditação, mas talvez duas dezenas de estudos contemporâneos de psicodélicos. Além disso, os estudos de meditação têm números e tipos de participantes muito mais altos. A pesquisa de mindfulness começou com o foco na redução do estresse mental para pacientes com dor crônica no final dos anos 70. Da mesma forma, a pesquisa psicodélica de hoje também tem foco na redução do sofrimento existencial para pacientes terminais. Em ambos os tipos de estudos, até agora, os participantes descrevem uma experiência sensorial elevada; meta-consciência aumentada (por exemplo, quando ocorre a quebra de padrões habituais de ruídos negativos); emoções como amizade e compaixão por nós mesmos e pelos outros; e estados naturais de gratidão, abertura e aceitação. Intervenções seculares como a REBM e a terapia psicodélica são baseadas em práticas antigas e contextos culturais específicos. Hoje, grande parte da prática de mindfulness é desprovida de símbolos tradicionais, como reverências e cânticos, e também raramente possui um professor budista. A secularização criou uma acessibilidade importante, mas vários estudos de consciência descobriram que, de fato, o “efeito professor” molda o benefício da intervenção. Provavelmente, existem centenas de programas de certificação de professores de mindfulness, e esforços para criar uma avaliação global das habilidades de ensino em atenção plena estão em andamento. Algo semelhante está acontecendo com os psicodélicos: o Instituto de Estudos Integrais da Califórnia, é pioneiro no primeiro programa de 1 ano de treinamento em psicoterapia assistida por psicodélicos para profissionais de saúde mental.
Três maneiras pelas quais os psicodélicos podem ser bons para nós
Eve Ekman e Gabrielle Agin-Liebes estão conduzindo um estudo com pessoas vivendo com HIV e AIDS, o qual é o primeiro com psicodélicos a ser aprovado pela Universidade da Califórnia, em São Francisco. Até o momento, os resultados são pequenos e preliminares, mas as reduções na depressão e no sofrimento existencial têm sido notáveis. Essa é uma população clínica "segura", o que significa que eles já estão enfrentando o pior resultado final: a morte. A medicina moderna pode prolongar sua vida com medicamentos, mas fornece poucas soluções para sua própria experiência de ter uma doença terminal. Para o estudo, os pesquisadores desenvolveram perguntas específicas para fazer aos participantes no dia seguinte ao tratamento com psilocibina e três meses depois. O objetivo é entender não apenas se a experiência foi benéfica, mas também o que, como e por que. Como outros estudos, o deles inclui terapeutas que apoiam as experiências de grupo anteriores e posteriores ao tratamento. Como na maioria das pesquisas psicodélicas, outro objetivo é criar uma mentalidade específica para os participantes - uma meta ou intenção que muitas vezes é trabalhada por semanas antes do tratamento. O cenário é uma sala que não se parece com um laboratório de hospital (pense em tapetes, tecidos modernos e estampados, pouca iluminação e um sofá confortável) e música que evoca emoções tocada por fones de ouvido. Falaremos em seguida de três insights importantes que estão emergindo das interações desses dois ramos de pesquisa, do psicodélico e da meditação mindfulness.
1. Consciência emocional
A prática de mindfulness e as experiências psicodélicas podem alterar positivamente o processo emocional de duas maneiras principais: aumentar a capacidade de estar em contato direto com o momento presente (em vez de ficar preso às emoções do passado ou antecipação do futuro) e aprimorar as experiências de emoções positivas. Estar com sentimentos no momento presente inclui reduzir nossa divagação negativa e levar bondade e amor a emoções difíceis.
Uma única sessão de psilocibina ajudou a maioria dos participantes a abandonar padrões rígidos e negativos de pensamento - em outras palavras, deu-lhes uma pausa na autocrítica e no julgamento e aumentou a abertura para as emoções. Para muitos no estudo, essas experiências transitaram além, para suas vidas diárias, ajudando-os a estarem presentes e a se libertarem de suas tendências habituais de se envolverem com padrões estressantes e negativos. Além disso, descobriu-se que os psicodélicos e a meditação mindfulness diminuem a reatividade nas regiões do cérebro que processam o medo.
Da mesma forma, após a meditação, os participantes relatam ser capazes de abordar situações estressantes - às quais normalmente reagiriam automaticamente e inconscientemente - de maneiras alternativas e mais úteis. Por exemplo, uma pessoa que descobre que seu voo está atrasado no aeroporto pode perceber que o atraso pode lhe proporcionar a oportunidade de ligar para um amigo com quem não conversa há um tempo.
2. Substituindo nosso modo padrão
Todos temos papéis a desempenhar com outras pessoas que nos definem. Mãe, pai, filho, filha, professor, estudante, enfermeira, médico. Memórias, crenças, impressões e sensações se acumulam para formar uma ideia de quem você é, onde esteve e o que fez. Estes tornam-se a sua história pessoal e o pano de fundo dos momentos da sua vida. Esta é a sua identidade e a fonte do seu ego.
“A admiração pode ser uma experiência emocional criticamente importante durante o tratamento psicodélico na geração de compaixão, empatia e bem-estar geral” ―Dr. Eve Ekman e Gabrielle Agin-Liebes
Mas a identidade também pode se tornar uma armadilha. Podemos afundar em nossas configurações padrão - nossos deveres, nossas rotinas - sonâmbulos durante nossos dias. Também tendemos a experimentar a nós mesmos como entidades limitadas e separadas de nosso ambiente. Nosso ego pode vir a existir como se fosse uma cidade com uma densa muralha ao seu redor, vivendo em uma separação gritante do resto da paisagem. Essa separação pode ser útil, pois cria um senso de estrutura e organização. Ajuda a nos proteger dos perigos e a lidar com as dificuldades da vida.
No entanto, a separação excessiva pode tornar nossas vidas muito pequenas. Podemos começar a existir dentro desta cidade delimitada como se fôssemos um líder autocrático, tentando controlá-la e todas as cidades vizinhas a todo custo. Pode nos deixar emocionalmente alienados de outras pessoas e situações. Os pesquisadores descobriram que esse estado pode estar associado à depressão, ansiedade e dependência.
O que acontece quando criamos um espaço e um momento em que derrubamos essas paredes, abandonamos nossas identidades e permitimos o surgimento de um novo senso de eu, mesmo que temporário?
Meditação e psicodélicos podem nos levar para fora de nós mesmos, ajudando-nos a nos conectar com os outros e com o meio ambiente. Esse processo de “descentralização” refere-se à capacidade de reconhecer pensamentos e emoções como fenômenos mentais passageiros. As evidências neurofisiológicas de Judson Brewer e Robin Carhart-Harris sugerem que certos tipos de meditação e psicodélicos podem interromper uma rede no cérebro que é ativada quando nos envolvemos com o foco automático (a rede de modo padrão), o que reduz a ruminação e a divagação. De fato, ambos os tipos de experiência - meditação e psicodélicos - treinam e reequilibram a atividade de nosso ego, de modo que ele nos proteja quando necessário e descanse em momentos de segurança.
Aprender a relaxar esse excesso de foco em si mesmo - por breves períodos de tempo, de maneira intencional - pode nos ajudar a expandir nossa noção de eu em uma maior harmonia com o ambiente. Podemos integrar nosso senso de quem somos com as coisas ao nosso redor. Ainda podemos operar com alguma independência, enquanto também existimos em união com as paisagens circundantes. Ou, pelo menos, é o que a pesquisa até o momento sugere - embora ainda haja muito trabalho a ser feito para entender como e por que isso acontece.
3. Motivações pró-sociais, emoções e comportamentos
Compaixão, empatia e altruísmo. Eles podem ser motivações, sentimentos e ações - mas em todas as suas formas, eles nos unem. É por isso que os cientistas chamam essas chaves do bem-estar de "pró-social", em oposição ao anti-social. Quando os humanos viviam em pequenas tribos, precisávamos compartilhar as responsabilidades da vida cotidiana, como procurar alimentos, criar filhos, caçar e proteger contra ameaças de animais. Hoje, uma orientação pró-social é essencial para superar algumas das maiores ameaças ao nosso planeta, das mudanças climáticas à desigualdade.
Há uma tremenda evidência científica sugerindo que os programas baseados em meditação e compaixão estimulam emoções pró-sociais, como empatia, bondade, gratidão e reverência. Por exemplo, praticar meditação aumenta a ativação cerebral associada à compaixão quando são mostradas imagens de sofrimento, e também parece levar a um comportamento mais compassivo.
O mesmo poderia acontecer com as terapias psicodélicas? Neste ponto, podemos apenas especular. Uma revisão crítica de 77 estudos concluídos por Henrick Jungaberle e colegas da Fundação Europeia MIND para a Ciência Psicodélica sugere que os psicodélicos aumentam comportamentos pró-sociais, empatia, flexibilidade cognitiva, criatividade, fatores de personalidade como abertura, orientações de valor, relacionamento com a natureza, espiritualidade, auto-estima, transcendência e recursos relacionados à atenção plena. Em um artigo teórico recente, o professor da Universidade do Alabama, Peter Hendricks, sugere que a admiração pode ser uma experiência emocional extremamente importante durante o tratamento psicodélico na geração de compaixão, empatia e bem-estar geral. Isso está acontecendo no estudo de Eve Ekman, à medida que os participantes relatam sentimentos de admiração após a sessão. Em um caso, um participante descreveu como uma caminhada cotidiana e mundana parecia profunda. Outros relataram sentimentos de profunda conexão com o mundo inteiro, muitas vezes em contraste com sentimentos anteriores de isolamento e cinismo. No ano passado, o influente jornalista Michael Pollan iniciou uma rodada de discussões e controvérsias públicas publicando Como mudar sua mente: o que a nova ciência dos psicodélicos nos ensina sobre consciência, morte, dependência, depressão e transcendência. Seu livro aborda muitos dos temas que aparecem na pesquisa do grupo de Eve Ekman.
Hábitos são ferramentas inegavelmente úteis, aliviando-nos da necessidade de executar uma operação mental complexa toda vez que somos confrontados com uma nova tarefa ou situação. No entanto, eles também nos aliviam da necessidade de permanecer acordados com o mundo: assistir, sentir, pensar e agir de maneira deliberada. (Isto é, da liberdade ao invés da compulsão.) Se você precisar se lembrar de como o hábito completamente mental nos cega para experimentar, basta fazer uma viagem a um país desconhecido. De repente você acorda! E os algoritmos da vida cotidiana praticamente começam do zero, como se fossem do zero. É por isso que as várias metáforas da viagem para a experiência psicodélica são tão adequadas.
Graças, em parte, a Pollan, estamos vendo cada vez mais interesse de jornalistas, terapeutas, instituições, empresários e outros. É difícil dizer para onde tudo isso está indo. Ainda não sabemos o suficiente sobre terapias psicodélicas assistidas. Enquanto o público faz perguntas e debate a legalização, pesquisadores continuaram usando ferramentas científicas para entender o impacto dos psicodélicos em nosso bem-estar.
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